Passamos por uma enxurrada de emoções quando vamos viver fora. Uma delas é aquela de não nos sentirmos em casa no lugar onde estamos vivendo.
Quando a gente decide mudar de país deixamos muito para trás. Os livros que nos marcaram, objetos importantes porém volumosos demais para carregar numa mudança, roupas preferidas que não se adaptam ao novo clima, lugares especiais, amigos, família e a lista segue imensa. Tudo isso, em maior ou menor grau, dava um pouco de conotação ao que chamávamos casa.
Uma parte nossa, que se identificava com certas coisas que fomos conquistando, fica perdida durante um tempo ao deixarmos tudo e partimos com uma mala na mão.
Não estou falando de apego ou de consumo. Mas pensem comigo, quando a gente faz, compra ou ganha algo, esse algo foi mantido porque escolhemos, gostamos ou nos identificamos. Um aspecto nosso se reflete nesse objeto, mesmo quando não nos damos conta disso.
Então, nada mais natural que nos sentirmos meio despersonalizados quando chegamos no novo país sem algumas dessas coisas que marcaram nossa história.
O perigo dos extremos
Nesse momento, em que estamos com a identidade meio fragilizada e com a sensação de que ainda pairamos sobre o novo país, é um perigo cair em duas ciladas que vejo acontecer muito.
- Comportar-se exageradamente como um nativo.
É quando a pessoa faz de tudo para se passar por tal, adotando todos os hábitos e humores locais, incluindo os preconceitos contra sua própria natureza. Dessa forma nega suas raízes, chega até a desenvolver um certo ranço pelo país de origem e força uma situação de adaptação que provavelmente viria com o tempo e de uma maneira menos agressiva consigo mesmo, já que negar as origens é negar também uma parte boa da nossa história e ela existe.
- Impor sua pátria à nova cultura.
Todo mundo gosta de viver um pouquinho do Brasil no país em que está e tem dia que é necessário. Mas, sabe quando alguém só faz as coisas que fazia no Brasil, só tem amigos brasileiros, só ouve música brasileira, só assiste canal brasileiro, sabe tudo o que se passa no Brasil mas “nem tchum” para o que se passa na economia onde vive? Essa pessoa possivelmente vai sofrer mais que o preciso.
Às vezes isso acontece pela necessidade que o expatriado tem de provar o valor de sua pátria e que apesar dele ter ido de seu país, continua sendo um lugar importante do qual ele se orgulha. Em alguma medida, acho que todos nós nos sentimos assim. O problema é quando a gente impõe nossa cultura acima da nova. Aí deixamos de aprender e trocar, para vivermos de saudade e da sensação de que o novo lugar não é nossa casa.
Talvez o caminho mais saudável seja permitirmos que as experiências nos permeiem naturalmente e junto com elas, aos poucos deixarmos que se construa o que uma hora poderá ser sentido como lar.
Sentir-se em casa em qualquer lugar do mundo
Uma vez um paciente que vivia fora pela segunda vez, me falou que só podia se sentir em casa no novo país quando abria a porta do seu quarto e deixava de perceber o cheiro característico do lugar.
Para sentirmos que estamos em nosso lar é preciso antes construir um dentro de nós mesmos. É essa a casa que nos acompanhará em qualquer parte do mundo e que facilitará o sentimento de bem-estar no lugar que escolhermos para viver.
Nossa casa interna fica bastante esvaziada com a mudança. Ficaram para trás algumas coisas importantes, muitas delas descobrimos que já não fazem falta e vamos substituir por novas, que agora dizem mais a respeito da pessoa na qual estamos nos transformando.
Fortalecer nosso mundo interno
Viver o que o novo mundo traz vai nos preenchendo de novos sentimentos e significados. Alguns valores nossos mudam sem que a gente queira ou perceba.
Não podemos levar nossa história da forma como a conhecemos. Mas, podemos levar nossa forma de encarar o mundo, de trabalhar, de se relacionar e isso também diz muito sobre nós.
Aprender a encontrar nossas ferramentas internas para lidar com as circunstâncias que morar fora implica, também é fortalecer nossa casa interior, nossa identidade. É preciso poder confiar nesse mundo interno para estarmos confortáveis no mundo lá fora.
E para sentirmos segurança em nós mesmos é necessário muito trabalho de autoconhecimento, aceitação e disposição para mudar aquilo que no lugar de ajudar só traz sofrimento.
O que você faz para se sentir em casa quando não está no que já foi sua casa?
6 Responses
Olá Vanessa! Morando a um ano no Chile, percebo que a cada día me adapto mais aqui. Coisas que me incomodavam no início já não me incomodam mais. Acredito que mais do que coisas o que falta para me sentir em casa é a minha família e amigos. Por mais que você tenha amigos e família no outro lugar ninguém pode substituir o espaço que pessoas impotantes deixaram no seu coração. Ainda estou em processo. Forte a abraço.
Oi Grazielle, obrigada por dividir sua experiência aqui! É realmente super importante construir um ambiente acolhedor no novo país para facilitar a sensação de pertencer àquele lugar, mas é como você disse, isso não significa que poderemos substituir o lugar das pessoas importantes e elas farão falta em muitos momentos. O importante é poder seguir mesmo com essas faltas. Um grande abraço.
Olá Vanessa! Moro na Coreia do Sul há 1 ano, de uma certa forma acabei perdendo a identidade Brasileira há algum tempo. Você me fez pensar bem com seu texto, sinceramente meu problema pode está no medo de não querer relembrar nada do Brasil, eu não tenho nenhum momento que me leva a pensar sobre meu país sentir saudades do meu país até mesmo da minha família.
Morei em três países nos últimos dois anos, países totalmente diferente culturalmente falando, sempre me cobrei muito por sair de casa muito novo para uma aventura, querendo ser um nativo no país que morei.
Porém agora o meu erro durante esse tempo todo acabei percebendo agora, foi deixar as raízes brasileiras pra trás.
Oi Khaaleby, em certa medida todos nós somos permeados pela identidade do local onde estamos e é saudável que isso aconteça para nossa adaptação. Mas, para isso acontecer não é preciso rejeitar nossa história, ela é parte importante de nós. Você deve ter tido seus motivos, mesmo que crenças pessoais, para ter escolhido viver assim estes anos, e se agora isso lhe causa sofrimento é sempre hora de reelaborar a forma de viver e estar no mundo. Parece que sua autoanálise já teve início! Um grande abraço.
Que texto maravilhoso! A três meses me mudei pra Buenos Aires – Argentina. Sinto falta de cada detalhe do meu quarto, do sol batendo na minha cama, da cortina do meu quarto, do meu lugar preferido no sofá, do barulho na cozinha as 5 da manhã sendo meu pai fazendo café, do silêncio na parte da tarde enauato todos dormem, do meu vizinho que ama música alta, do barulho da chuva nas árvores do quintal! Sinto falta de tudo, dos menores detalhes, eles me traziam segurança de alguma maneira. Morava em Campinas/Sp
Oi Gabriel, esses detalhes que você narra com certeza te faziam sentir seguro porque eram conhecidos, mas com o tempo você se habituará a novos cheiros, ruídos, rotinas e eles também passarão a fazer parte de sua história e te darão essa sensação de segurança que no começo é impossível de sentir porque tudo ainda é muito novo. É importante olhar mais para o que está ganhando nesse momento, para não deixar a saudade te sufocar. Dá uma olhadinha nesse post Como lidar com a saudade – 5 dicas, acho que pode ajudar também. Um beijo grande!